domingo, 8 de maio de 2011

O Espiritismo e a filosofia da diferença: olhares de amor e aceitação.

Se quisermos alcançar uma melhor compreensão e aceitação do outro
necessitamos rever nossas atitudes de julgamentos.

Hedy Lamar

Como educadora e adepta do Espiritismo, vejo esta doutrina como soberanamente pregadora do Amor, da Compreensão, da Tolerância, da verdadeira Compaixão. E busco, assiduamente, refletir sobre esta Ciência, Filosofia e Religião.
Nessa reflexão, considero que pensar o Espiritismo sob a ótica de alguns filósofos e pensadores modernos é exercitar a Filosofia Espírita, compartilhando-a com outros saberes, especialmente se estes também buscam compreender o homem, na sua individuação e nas suas relações.
Um destes saberes atuais é a Filosofia da Diferença, apregoada por Giles Deleuse. Nuances desta filosofia, em nítida sintonia com a Filosofia Espírita, nos permitem encontrar respostas para algumas questões ligadas às dificuldades de relacionamento, ao julgamento do outro, à ausência de aceitação e respeito pelo diferente.
Nas nossas relações, se quisermos alcançar uma melhor compreensão e aceitação do outro - o que nos possibilitaria melhorar nossa convivência - necessitamos, primeiramente, de rever nossas atitudes de julgamentos, nossas concepções prévias a respeito deste outro.
Quase sempre, usamos nossas velhas maneiras de explicações das nossas falhas e das falhas do outro, repetindo os mesmos modos de agir, de censurar, julgar, e respondendo, do mesmo modo, aos nossos velhos problemas.
Se quisermos ser, sentir, pensar e agir de modo diferente do que sempre temos feito, devemos romper com nossos velhos hábitos, superar nossos possíveis defeitos e construir alternativas que deem novo sentido a nossa existência.
Avaliar o outro, apontar o dedo para suas fragilidades e limitações, sentindo-nos donos da verdade, é fugir da própria responsabilidade, da coparticipação, já que os relacionamentos são vias de mão dupla. Numa relação entre pessoas, existe o entre e não somente a pessoa como si mesma. Cada um entra na relação com sua parcela ... de culpa ou merecimento.
Decididamente, não seres acabados, prontos. A vida toda é um processo, e a realidade, os acontecimentos são revestidos de múltiplas possibilidades. Nada é completamente pronto, definitivo. Nem as pessoas, nem os acontecimentos, nem a vida ... Tudo é um contínuo vir a ser, pleno de possibilidades, de potencialidades. Nesse processo, se queremos transformar o outro, também somos transformados por ele. Não há hierarquias. Nenhum é superior ao outro.
A vida é um palco, um lugar onde não existem certezas. Há apenas o desejo e a permissão para deixar fluir. Tudo é potência. E tudo se realiza, se concretiza no encontro com o outro, com o mundo. Vista como processo, a vida é movimento . . . é uma dança constante ... e precisamos aprender a dançar, embalados pela música que vem do coração.
Precisamos aprender a questionar nossas pretensas verdades. Questionar as noções de certo e errado, normal e anormal que nos foram ensinadas. Sermos capazes de modificar nossas certezas.
Nossa realidade é sempre influenciada pelo modo como a enxergamos. O modo como vemos o outro depende daquilo que somos, ou daquilo que nos transformamos. Se somos pequenos no nosso modo de pensar e de ver o outro, é porque nossas crenças, nosso conhecimento de mundo, nosso modo de amar... tudo é pequeno. Enxergamos o outro com a medida do nosso olhar, com o tamanho da nossa capacidade de amar.
Se queremos modificar nossas relações, nosso modo de conviver, precisamos aprender a mudar nossa maneira de analisar as pessoas, as coisas, os acontecimentos, aprendendo a respeitar as diferenças, em lugar de nos ocuparmos com o idêntico. Não podemos ter o pensamento enclausurado. Nosso modo de fazer as coisas não devem ser uma só. O certo e o errado, desde que não se afaste do que é moral, do que é ético, no sentido de interferência no mundo, não são relevantes na maioria das vezes. A Filosofia Espírita nos aponta caminhos para uma conduta moral. mas não uma Moral desconectada das nossas potencialidades, do nosso jeito de ser e de existir. Importante é o significado que damos às ações, aos acontecimentos. O modo como interpretamos o mundo ao nosso redor, nossas crenças e valores.
Tudo o que acontece não existe por questões individuais, não é responsabilidade de um só. Tudo é apenas efeito, resultado do modo como nos relacionamos. Devemos buscar, sempre, a compreensão, a tolerância, a aceitação e não a mera explicação dos fatos. Não somos meros observadores do outro. Numa relação, somos também intercessores: interferimos, agimos, dialogamos. Numa relação, importa é saber se determinado comportamento ou atitude funciona. Como funciona. Devemos nos perguntar: isso me afeta? Afeta o outro?
As coisas vão adquirindo sentido ao acontecer. Não existe um isso ou aquilo. Pode ser isso, pode ser aquilo. A construção da vida é coletiva. E sempre somos capazes de escapar, de enxergar novas possibilidades, novos rumos. Não temos e não necessitamos de rótulos.
O ser humano não é uma coisa, um objeto formatado. Ele se faz e se refaz, se cria e se recria no dia a dia, no cotidiano. Sendo assim, devemos ser capazes de lutar contra aquilo que nos uniformiza, nos torna idênticos uns aos outros, como se fôssemos máquinas ou desenvolvidas em formas. Não somos cópias uns dos outros. Cada um tem sua singularidade.
Avaliar o outro e apontar sua debilidade é tão devastador quanto permitirmos que nos avaliem. Quando focalizamos a dificuldade como algo que nos pertence, ou que pertence ao outro, estamos desconsiderando nossa rede de relações, e permitimos que ocorra a discriminação, a exclusão. Permitimo-nos, reciprocamente, apontar o dedo, destacando nossas mútuas imperfeições e empalidecendo nossas qualidades, nossos talentos e dons, nossa capacidade criativa.
Devemos ser capazes de exercer nossa criatividade. Somos responsáveis pela orquestração da nossa própria vida, nosso próprio destino. Temos o livre-arbítrio para arquitetar aquilo que sonhamos ser. É só querermos. Basta, apenas, o desejo.
Embora o nosso cotidiano seja regido por regras, códigos, leis, ele também não é desprovido do caos. E nesse aparente caos, ocorre, também, construção. Muitas vezes, precisamos desconstruir, para depois construir algo novo, diferente. Isto se dá num espaço de relações. E é nestas relações que aprendemos a perceber nossos próprios limites: aquilo que estamos deixando de ser e aquilo em que estamos nos transformando. O que somos e o que podemos vir a ser. É nessa espécie de dança interior que nos construímos, nos transformamos e transformamos nossas relações em espaços de harmonia e de beleza.
Este é o olhar que acredito ser respaldado pela Filosofia Espírita. O olhar de uma Filosofia da Diferença que, nos moldes do Espiritismo, parece apontar para uma filosofia do amor e da aceitação.

Texto transcrito, na íntegra, da Revista Internacional de Espiritismo, edição abril de 2011, fls 145,146 e 147.

Nenhum comentário: